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NR 1: tratamento diferenciado a micro e pequenas empresas ajuda ou atrapalha?

O tratamento diferenciado a empresas de menor porte previsto na nova Norma Regulamentadora nº 1 (Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais) – que entrou em vigor dia 3 de janeiro[1] – suscita questionamentos. De um lado, se sabe que é importante descomplicar as exigências legais de Segurança e Saúde do Trabalho para que seja mais fácil seu cumprimento por parte desses empreendedores. De outro lado, há o temor de que possa haver ainda mais negligência em um universo no qual a cultura prevencionista ainda não é uma realidade concreta – embora os riscos ocupacionais dos mais diferentes tipos e graus estejam presentes.

Conforme dados de setembro da Receita Federal[2], existem 18.732.361 empresas ativas no Brasil. Desse total, são 16.560.568 (88,41%) microempresas (MEs), 948.647 (5,06%) empresas de pequeno porte (EPPs) e 1.223.146 (6,53%) outras. Nesse contexto, os microempreendedores individuais (MEIs), que estão inseridos no número de MEs, somam mais de 56% do total de pessoas jurídicas existentes.

Os pequenos negócios, portanto, são muito importantes para a economia do País, representando aproximadamente 30% do valor adicionado do PIB (Produto Interno Bruto)[3]. Somente as micro e pequenas empresas (MPEs) são responsáveis por 52% dos empregos com carteira assinada no setor privado. Tamanha abrangência, além dos fatos de historicamente não conseguirem ter um cuidado apurado com a SST[4] e da fiscalização não alcançá-las como deveria, faz com que essas empresas menores sejam mais suscetíveis e detenham o maior número de acidentes, inclusive fatais, e doenças ocupacionais.

As principais causas das ocorrências são o desconhecimento e/ou a inabilidade no trato dos riscos ocupacionais e a precariedade de recursos técnicos e financeiros para a minimização e o enfrentamento desses riscos. Ao fazer o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) e contratar um funcionário, o pequeno empreendedor equipara-se às empresas maiores no que diz respeito à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e às normas regulamentadoras de SST, sem mencionar as demais obrigações legais relacionadas à pessoa jurídica. Dessa forma, assume total responsabilidade sobre a saúde e a integridade física e mental desse empregado e se sujeita a todos os deveres legais trabalhistas, previdenciários, cíveis e/ou criminais de um eventual acidente ou uma doença do trabalho.

Além do mais, as NRs, como quaisquer normativas legais, requerem o registro de sua implementação, o que se traduz na necessidade de elaboração de documentos. A grande contradição é que o documento tornou-se mais importante que a implementação das boas práticas prevencionistas. Por sua vez, a necessidade de segmentação das NRs cria uma série de compromissos para os quais, provavelmente, esse empresário tem menos capacidade de atender em razão de sua estrutura enxuta e falta de pessoas dedicadas. Dependendo da atividade, pode ficar subordinado a mais de 1.500 itens. Como é o caso da indústria da construção, que também inclui exigências do Corpo de Bombeiros, Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), Código de Obras, ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) e eventualmente dos contratantes.

O QUE DIZ A NORMA

Justamente para se adequar à realidade dos pequenos empreendedores, a nova NR 1 oferece a eles um tratamento diferenciado. A diferenciação foi estruturada isentando as empresas que atenderem ao critérios de implementar o Programa de gerenciamento de riscos e o programa de controle médico de saúde ocupacional. A elegibilidade para a isenção está estruturada com base em 4 aspectos: grau de risco associado ao CNAE ou atividade; identificação da exposição a agentes ambientais, riscos relacionados a fatores ergonômicos e declaração de informações de modo digital. Sendo que, atualmente, a opção de submeter as informações de modo digital não está disponível, o que torna impede que a isenção ocorra até este momento.

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Veja na tabela o resumo do que diz a norma.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

O novo texto da NR 1 levou o Ministério Público do Trabalho (MPT) a ajuizar, em julho, Ação Civil Pública[5] com pedido liminar para a Justiça do Trabalho suspender as portarias nº 915/2019 e nº 6.730/2020, que aprovam a nova redação da norma. A alegação é que o tratamento jurídico diferenciado às empresas de menor porte impõe restrições ao rastreamento de riscos de adoecimentos e ocorrência de acidentes de trabalho, promove discriminação ilegal entre trabalhadores de empresas de portes distintos e aumenta as chances de adoecimentos, acidentes e mortes, pois desobriga essas empresas de elaborarem e implementar programas de SST.

Segundo dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) anexados pelo MPT nos autos do processo, foram concedidos aos trabalhadores de MEIs, MEs e EPPs de grau de risco 1 e 2, de 2016 a 2020, 1.282.980 auxílios-doença e 119.485 auxílios-doença acidentário, um custo anual médio aproximado de mais de R$ 418 milhões aos cofres públicos. A Justiça do Trabalho se declarou incapaz de julgar o assunto da ACP e encerrou o processo sem resolução do mérito, mas o MPT deve entrar com recurso para revisão da decisão.

HÁ SAÍDA?

Diante de argumentos prós e contras, quais são os caminhos que podem ser seguidos na prática para que os pequenos empresários consigam desenvolver e fortalecer uma cultura de prevenção, evitando um possível retrocesso nas conquistas da Segurança e Saúde do Trabalho no Brasil?

Em palestra on-line apresentada durante a Campanha Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho (Canpat) 2021[6], o representante da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, apresentou estudos de casos feitos na Colômbia, Camarões, Indonésia, Filipinas e Tunísia. As conclusões mostram que, para garantir que empreendimentos de menor porte implementem efetivamente medidas de SST, as iniciativas nacionais de apoio devem ser de baixo custo ou preferencialmente gratuitas, fáceis de acessar, orientadas para a ação e adaptadas às necessidades específicas dessas empresas. Também devem integrar SST com outras metas de gerenciamento ou processos de negócios.

As pesquisas revelaram que a sustentabilidade financeira é o maior desafio para as empresas menores e, consequentemente, para seus programas de prevenção de acidentes e doenças ocupacionais. Como estratégia de sobrevivência, uma grande parte delas funciona baseada no descumprimento das obrigações tributárias, trabalhistas e previdenciárias, impondo condições precárias de trabalho a uma parcela expressiva da sociedade. É necessário, portanto, garantir a sustentabilidade técnica e institucional para permitir que as micro e pequenas empresas mantenham uma alta qualidade de gestão de Segurança e Saúde no Trabalho.

Nesse sentido, os estudos apontam algumas soluções. Uma delas é o fortalecimento do marco regulatório, por meio da customização das normas de prevenção e da simplificação da burocracia, assim como spin-offs de outros tipos de regulação. Outro mecanismo é a garantia de aplicação e conformidade, por meio da inspeção do trabalho, de agências reguladoras não ligadas diretamente à SST e de promoção de compliance.

Mais um caminho sugerido são as instâncias de participação de parceiros sociais, através de redes de Segurança e Saúde do Trabalho e orientação de pares, assim como intermediários do setor prevencionista e serviços de consultoria. Também na lista está a construção de capacidade e conscientização, por meio da educação e do treinamento, de análise de riscos e gerenciamento de SST. Assim como incentivos econômicos, microfinanciamentos, bônus baseados em seguros, inclusão de cláusulas sociais sobre o tema em acordos públicos, prêmios e reconhecimentos.

REFLEXÕES FINAIS

A pergunta que não quer calar e por enquanto segue sem uma resposta definitiva é: o tratamento diferenciado a MEIs, MEs e EPPs na NR 1 ajuda ou atrapalha? Nossa reflexão é que, quando a norma elimina a necessidade de elaboração do PGR em vez de definir uma simplificação explícita, não haverá um estimulo para estes empresários implementarem boas práticas prevencionistas.

A opção destacada pela OIT de construção de uma rede de apoio de SST, permitindo diluição de custos e troca de experiências, nos parece algo bem realista e viável – associações de classe tendo um papel importante. Certo é que muitos debates ainda serão feitos sobre esse tema até que se chegue a um denominador comum. Assim como é certo que o papel dos profissionais prevencionistas especializados é fundamental na orientação de quais os melhores caminhos a serem seguidos na gestão dos riscos ocupacionais.

[1] https://bit.ly/3v7rB6s

[2] https://bit.ly/30f76tc

[3] Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae)

[4] Segurança e Saúde do Trabalho

[5] https://bit.ly/3DDJEUY

[6] www.youtube.com/watch?v=QVZc08iO41I